Não somos invasores, a terra é nossa: Mais de 8 mil indígenas manifestam contra o Marco Temporal em Roraima

Indígenas reunidos no Centro Cívico, em Boa Vista, manifestando contra o Marco Temporal — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Mais de 8 mil indígenas de comunidades em 11 regiões em Roraima se reuniram nesta segunda-feira (5) no Centro Cívico de Boa Vista em manifestação contra o chamado Marco Temporal — tese que discute as demarcações de terras indígenas no Brasil (entenda abaixo).

Indígenas reunidos no Centro Civico manifestando contra o Marco Temporal — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa nesta segunda-feira a negociar uma conciliação sobre a tese para a demarcação de terras indígenas. Uma comissão especial vai fazer a primeira reunião na busca por um acordo.

O protesto ocorre de forma pacífica e percorre a rotatória do Centro Cívico — onde está localizada a sede dos três poderes em Roraima, com os indígenas gritando palavras de ordem e segurando placas onde pedem que o projeto não seja aprovado. A manifestação ocorre até terça-feira (6).

Uma das lideranças presentes era o tuxaua da Região das Serras, na Raposa Serra do Sol, terra indígena localizada no Norte de Roraima, Amarildo Macuxi, de 39 anos. De acordo com ele, o objetivo é seguir lutando pela tese do Marco Temporal e contra o que ele classificou como “retrocesso”.

“Estamos aqui para comunicar às autoridades que não aceitamos esse tipo de ataque e violência contra nossos direitos. É importante destacar a relevância desse movimento, que visa mostrar à sociedade e às autoridades nossa oposição ao projeto de lei proposto pelos deputados”, disse.

Outras ações também aconteceram no Uiramutã, região Norte de Roraima, município mais indígena do Brasil. As comunidades fizeram um ato com centenas de indígenas em uma barreira de fiscalização no caminho da região do Popo.

Indígenas reunidos contra o Marco Temporal em Uiramutã, Norte de Roraima — Foto: Arquivo Pessoal

 

O chamado marco temporal das terras indígenas estabelece que os povos originários só tenham direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. O projeto foi aprovado em maio de 2023 pela Câmara dos Deputados, mas foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro.

Kelliane Wapichana, 32 anos, tuxaua geral do Movimento de Mulheres Indígenas de Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Lideranças de movimentos indígenas femininos também participaram do ato. Kelliane Wapichana, de 32 anos, da região Serra da Lua é tuxaua geral do Movimento de Mulheres Indígenas de Roraima e, para ela, a participação das mulheres indígenas na manifestação é fundamental.

É inaceitável e inadmissível que estejamos aqui novamente lutando pelos nossos territórios e pelo nosso bem-viver. Estamos reunidos hoje para somar forças e dizer não ao Marco Temporal que ferem nossos direitos”.

“São homens engravatados que querem negociar nossas vidas numa mesa, mas estamos aqui para levantar nossas vozes contra a opressão de mulheres e lideranças”, disse a liderança.

Ernestina Macuxi, liderança da Serra do Sol, na manifestação em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Ernestina Macuxi, também é uma das liderança da Serra do Sol. Com 48 anos, ela participou do ato e destacou também a degradação causada pelo agronegócio nas terras indígenas de Roraima.

“A destruição das terras invadidas pelo agronegócio afeta não apenas os povos indígenas, mas toda a sociedade. Lutamos para defender a vida de todos, no Brasil e no mundo. O nosso território é vivo; ele está gritando e sofrendo com essa violência”,

Indígenas reunidos no Centro Cívico, em Boa Vista, manifestando contra o Marco Temporal — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Jovens indígenas participaram da manifestação de forma ativa. A adolescente Julha Wapichana, de 14 anos estava com o pai no ato. Natural da região do Araça, a adolescente incentivou outros jovens a participar das ações em todo o país.

“O que ataca o povo indígena será frente a frente dessa luta. É importante a participação de cada liderança, cada jovem, cada criança… precisamos seguir lutando”.

Indígena com a bandeira do Brasil em manifestação contra o Marco Temporal em Roraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Marco Temporal

O marco temporal define que indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que eram ocupadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

A tese é uma interpretação do artigo 231 da Constituição, que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

O colegiado foi criado por determinação do ministro Gilmar Mendes, relator de ações contra a lei de 2023 que instituiu o marco temporal. A comissão terá a seguinte composição:

seis representantes indicados pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib);

seis indicados pelo Congresso Nacional;

quatro integrantes indicados pelo governo federal;

dois integrantes dos estados e um dos municípios.

os autores das ações (partidos políticos e associações) também pode indicar um representante.

Os indígenas são contrários ao marco legal. Argumentam que não é o critério de ocupação no dia 5 de outubro de 1988 não é preciso. Isso porque alguns povos são nômades e podem estar ligados a uma terra, mesmo não a habitando naquela data específica. Explicam também que a ditadura retirou muitos povos de suas terras históricas.

A bancada ruralista no Congresso, no entanto, defende o marco legal. Os parlamentares temem que, sem esse entendimento, terras hoje em mãos do agronegócio podem ser demarcadas como territórios indígenas.

Indígenas pedem que o Marco Temporal não seja aprovado em Boa Vista — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

×