Com a chegada de abril de 2025, completam-se quarenta anos da morte de Tancredo Neves, um acontecimento que ressoou profundamente na história do Brasil. Sua ausência não apenas representou a perda de uma figura fundamental na delicada transição democrática, mas também simbolizou o marco inaugural da chamada Nova República.
Naqueles idos de 1985, eu era um jovem na casa 19 anos, estudante secundarista ávido por compreender as mudanças que se anunciavam , vivenciando com intensidade a efervescência política que culminou com o fim do regime militar. A eleição indireta de Tancredo representava o alvorecer de um novo tempo, um Brasil liberto das amarras autoritárias, um anseio que compartilhávamos com fervor.
Lembro-me da campanha que o levou à vitória no Colégio Eleitoral como um farol de esperança. Tancredo personificava a possibilidade de um Brasil onde a soberania popular seria restaurada, onde as liberdades seriam reconquistadas. A queda de João Batista Figueiredo abriu caminho para essa expectativa, e a eleição de Tancredo foi vista como o primeiro passo firme rumo à democracia plena.
No entanto, a notícia de sua doença lançou uma sombra de apreensão sobre aquela alegria recém-conquistada. Acompanhávamos, com crescente angústia, os boletins médicos, sentindo a fragilidade daquele sonho que parecia prestes a se concretizar. Aquele líder, que com sua articulação e história política representava a união de forças em prol da redemocratização, viu sua jornada ter um fim inesperado, deixando um vácuo de liderança no exato momento da transição.
O funeral de Tancredo, com o hino nacional carregado de emoção, tornou-se um rito de passagem melancólico para o início da Nova República. Para nós, jovens que depositávamos tantas esperanças naquele momento, a sua ausência representava uma incerteza no próprio nascedouro do novo regime. A ascensão de seu vice, José Sarney, ao Palácio do Planalto, marcava o início de um capítulo inédito, mas também carregado de dúvidas e desafios.
Com a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1990, eu já estava na faixa dos 23 anos, iniciando meus estudos de filosofia. Acompanhei com um olhar mais crítico e analítico as promessas e os revezes daquele governo, culminando no impeachment que mobilizou a juventude da época.
Contra Collor, eu estive também embrenhado no meio da juventude em grandes passeatas pelas ruas do centro de São Luís gritando “PC, PC, vai pra cadeia e leva Collor com você!”, urrávamos, a garganta seca de tanta indignação. Era uma catarse coletiva, a juventude brasileira vomitando a sua revolta contra a impunidade. E logo emendávamos, com um sarcasmo cortante que ecoava a piada amarga que a situação representava: “É ou não é piada de salão, o chefe da quadrilha é o presidente da nação!”.
Lembro-me da energia vibrante daquelas manifestações, a sensação de pertencimento a um movimento maior que nós mesmos. Éramos a voz da ética ultrajada, a indignação materializada em canções de protesto e cartazes improvisados. A queda de Collor, embora tardia, representou uma pequena vitória da sociedade civil, um lembrete de que a voz das ruas, quando unida, pode ecoar nos corredores do poder.
Quarenta anos se passaram desde aquele abril fatídico. Olho para trás, agora como Professor Correia, e vejo a trajetória da Nova República com seus avanços e retrocessos, suas conquistas e suas profundas decepções, especialmente no que diz respeito à persistente questão da corrupção. Os governos que se sucederam, cada um com seus próprios desafios e escândalos, parecem, de alguma forma, carregar a marca daquela ausência inicial, como se o destino da Nova República estivesse intrinsecamente ligado à perda de seu primeiro presidente civil eleito após o longo período militar.
Naquela época, como um jovem estudante secundarista, talvez não tivesse a dimensão completa das complexidades que o Brasil enfrentaria na construção de sua nova identidade democrática. Anos depois, como estudante de filosofia, pude analisar com mais profundidade os meandros da política e da história. Mas a memória daquele abril de 1985, da esperança depositada em Tancredo Neves e do início da Nova República sob o signo de sua ausência, permanece viva. É uma lembrança que nos convida a refletir sobre os caminhos percorridos e os desafios que ainda precisamos superar para que a promessa daquele novo tempo se concretize plenamente.