O Congresso adiou novamente a análise dos vetos do presidente Lula (PT) à lei do marco temporal das terras indígenas. A sessão conjunta entre deputados e senadores que estava marcada para esta quinta-feira (23) foi cancelada, em meio a uma falta de acordo entre lideranças do Senado sobre quais vetos seriam derrubados.
É a segunda vez em que a análise dos vetos à lei do marco temporal é adiada. O tema estava pautado para o dia 9 de novembro, mas foi cancelado para dar lugar à votação que destinou R$ 15 bilhões para compensação a estados e municípios por perdas de arrecadação resultantes da desoneração dos combustíveis no governo de Jair Bolsonaro (PL).
A Constituição determina que os vetos presidenciais a leis aprovadas pelo Congresso devem ser automaticamente remetidos aos deputados e senadores, que podem manter ou derrubar os vetos. A análise deve ser feita em até 30 dias corridos, prazo que venceu na última segunda-feira (20). Depois desse período, a pauta fica trancada até que a questão seja votada.
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“Para nós, isso não altera nada”, publicou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), líder da bancada ruralista. “Estamos confiantes de que, na próxima sessão do Congresso, conseguiremos derrubar os vetos, contando com o apoio manifestado pelos líderes”, complementou o parlamentar.
Efeito COP
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) comemorou o adiamento e avaliou que ele é decorrente da pressão dos indígenas sobre os parlamentares, além da proximidade com a COP28, que começa na próxima semana em Dubai, nos Emirados Árabes.
Políticos ruralistas, que já prometeram derrubar os vetos, temem o impacto negativo de reinstituir uma lei antiambiental às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP28.
“Estamos indo para a COP para explicitar o ataque aos direitos indígenas dos últimos meses, que vão na contramão da pauta climática e socioambiental, que é propagada pelo Brasil lá fora, mas não se reflete aqui no país, principalmente quando o agro tenta, a todo momento, fragilizar os nossos direitos”, avaliou o coordenador da Apib, Kleber Karipuna, ao Brasil de Fato.
Lula vetou pontos inconstitucionais
Os vetos de Lula que serão analisados pelo Congresso suprimiram pontos inconstitucionais da lei, entre eles o critério de tempo para validar demarcações, mas manteve mudanças consideradas como retrocessos por indígenas e indigenistas, por permitirem a abertura de áreas indígenas ao agronegócio.
Insatisfeito, o setor mais poderoso do Congresso – a bancada ruralista – anunciou que pretendia derrubar os vetos de Lula e restabelecer a lei do marco temporal na sua integralidade. O movimento indígena reagiu e convocou mobilizações nas cidades, aldeias e na internet.
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Para derrubar os vetos presidenciais, a sessão conjunta do Legislativo terá que ter maioria absoluta, ou seja, pelo menos 257 votos dos deputados e 41 dos senadores. A tese ruralista foi aprovada com 283 votos na Câmara e 43 no Senado.
Ruralistas insistem em tese inconstitucional
Pelo marco temporal, uma tese jurídica criada por ruralistas e repudiada por indígenas, terras dos povos originários só podem ser demarcadas se estivessem ocupadas por eles no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A Constituição não faz qualquer menção a um critério de tempo para demarcações de terras indígenas. Pelo contrário, a Carta Magna diz textualmente que o direito dos indígenas é originário e precede a própria criação do Estado brasileiro.
Por isso, o marco temporal foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A mesma avaliação é feita pelo Ministério Público Federal (MPF), além de organizações indígenas, indigenistas e de direitos humanos.
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Mesmo assim, políticos e representantes dos grandes proprietários de terras insistem na tese inconstitucional, pois veem nela uma oportunidade de anexar territórios destinados ao povos originários.
O plano B dos ruralistas
Se o marco temporal for restabelecido via Legislativo, a Apib ou outras organizações poderão questionar a medida no STF por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Até a decisão final, retrocessos contidos na lei podem continuar valendo, se não forem derrubados por medidas cautelares do Supremo.
Mas os ruralistas já tem um plano B, no caso de o STF derrubar novamente a lei do marco temporal. Após o Supremo declarar a inconstitucionalidade do critério de demarcações, o senador Dr. Hiran (PP-RR) protocolou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede a instituição do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Edição: Vivian Virissimo