A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) mobilizou 15 mulheres indígenas dos nove estados de atuação da Rede para a participação do II Seminário Temático Meninas e Mulheres no Protagonismo da Justiça Climática, realizado em Belém. A edição foi voltada exclusivamente para meninas e mulheres situadas na região de atuação da Coiab para mapear os problemas enfrentados diante do avanço das mudanças climáticas e o impacto em seus territórios. O evento foi promovido pelo Ministério das Mulheres, na Universidade Federal do Pará, entre os dias 31 de julho e 02 de agosto.
Durante os três dias, o seminário promoveu espaços de diálogos e trocas de saberes entre mulheres indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhas e outras representantes de comunidades tradicionais e sociedade civil. Dentre as problemáticas apresentadas, a invasão dos territórios por grandes empreendimentos e a insegurança alimentar ganharam destaque. Também foram abordados outras temáticas, como as iniciativas e tecnologias socioambientais produzidas nos territórios, ferramentas para transversalização da justiça climática e gênero e entre outras estratégias de enfrentamento da crise climática.
Segundo Angela Kaxuyana, eventos como o seminário são importantes, mas é necessário também garantir o acesso das mulheres às mesas oficiais de eventos, como a Conferência das Partes (COP), e as mesas de negociação para promover ações efetivas de combate às mudanças climáticas. “Enquanto Coiab, estamos traçando estratégias junto às lideranças indígenas de vários locais da Amazônia para trazer uma proposta efetiva. A questão é se ela [a proposta] será inserida dos debates oficiais. Não nos sentimos representadas pelo Itamaraty quando falamos sobre temas de mudanças climáticas. É preciso que seja uma voz comunitária, da Amazônia, de mulheres indígenas, quilombolas, extrativistas e outros seguimentos, trazendo de fato uma resposta efetiva para a crise climática. A resposta somos nós”, refletiu Ângela durante o evento.
Na ocasião, também foi apresentada a Plataforma de Territórios Tradicionais que disponibiliza informações sobre as áreas habitadas por povos e comunidades tradicionais do Brasil, a partir de dados de georreferenciamento. Com isso, é possível realizar um diagnóstico da ocupação e do uso desses territórios. A plataforma é resultado da parceria entre o Ministério Público Federal, Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e a Agência de Cooperação Alemã no Brasil (GIZ Brasil).
Ao fim do evento, as mulheres sugeriram uma série de ações que servirão como subsídio para a construção de diretrizes do Ministério das Mulheres sobre a temática da justiça climática, além da construção da Política Nacional do Clima. Também foi possível definir as prioridades de adaptação e mitigação, a partir da perspectiva de gênero.
A articuladora política de gênero da Coiab, Auricélia Arapium, avaliou o evento como positivo, permitindo a exposição das problemáticas vivenciadas das mulheres. “Nós colocamos os desafios que estamos enfrentando no território e o que estamos fazendo na prática para solucionar. Também levamos a proposta do que queremos que seja colocado no Plano Nacional do Clima, principalmente no que tange as questões de gênero, raça e etnia que são as que mais sofrem com as questões da Mudança Climática. Foi um encontro muito positivo, no qual nós mulheres indígenas somamos com outras mulheres para falar do que vivemos e cobrar uma política pública do governo”, avalia.
Meninas e Mulheres na Crise Climática
As mudanças climáticas atingem mais mulheres do que homens. É isso que anuncia o relatório “Justiça Climática Feminista: um quadro para ação” (Feminist Climate Justice: a framework for action em inglês), lançado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2023. O documento faz uma projeção para o ano de 2050: 158 milhões de mulheres serão levadas à pobreza – 16 milhões a mais que o número de homens – e outras 236 milhões estarão suscetíveis a insegurança alimentar – a projeção para homens e meninos é de 105 milhões.
A situação se torna mais crítica quando se trata das mulheres indígenas. Além de terem seus territórios invadidos e estarem suscetíveis a diversas violências, como o avanço do garimpo, desmatamento e eventos climáticos extremos, elas também estão submetidas as violências de gênero. Os números de feminicídios, violência doméstica e abusos sexuais ainda são expressivos. O assassinato de mulheres indígenas, por exemplo, aumentou em 167% nas primeiras duas décadas do século XXI, segundo o Instituto Igarapé.
Essas problemáticas têm sido abordadas no Grupo de Trabalho de Empoderamento de Mulheres do G20. O Seminário Temático Meninas e Mulheres no Protagonismo da Justiça Climática é resultado de uma parceria entre o Ministério das Mulheres, com a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) e apoio de entidades e organizações da sociedade civil. O propósito é reunir entes governamentais – esfera federal e estaduais – com a sociedade civil para produzir escutas, formações e diálogos acerca do tema das mudanças climáticas e a interface com a vida das mulheres, em vários locais do Brasil. As propostas servirão como base para formular políticas públicas e diretrizes que serão apresentadas para debate, tanto no contexto do Encontro do G20, que será realizado no Brasil, em novembro de 2024, como na Conferência das Partes de 2025.