CRIMES! Baseado em decisões anteriores do STJ e do próprio TJMA desembargador mantém afastamento da prefeita de Paço do Lumiar por 90 dias.

[…]

Dito isso, antevejo não assistir razão à agravante ao impugnar o recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa ajuizada pelo ente municipal, na medida em que a parte autora/agravada individualizou a conduta dos réus, notadamente da alcaide agravante – que, segundo consta na exordial, acompanhada das então ordenadoras de despesas, Sra. Flávia Virgínia Nolasco e Sra. Danielle Pereira Oliveira, respectivamente, ex-Secretária Municipal de Administração e Finanças e ex-Secretária Municipal de Saúde, firmou diversos contratos indevidos e ordenou despesas em favor da empresa R. C. Praseres e Cia. Ltda. –, com o fito específico de obterem, por meio de suposta fraude à licitação, vantagem com o resultado do certame. Depreendo dos autos principais, outrossim, que foram apontados, pormenorizadamente, os indícios de autoria e a materialidade da conduta ímproba consistente em impedir o caráter competitivo do procedimento de licitação consubstanciado no Pregão Eletrônico n.º 006/2022 – SRP n.º 006/222 – PMPL (Processo n.º 0752/2022), visto que, conforme alegaram – e sem fazer, aqui, qualquer juízo de mérito da questão –, a “Empresa R C PRASERES E CIA LTDA, por ser uma empresa com um número significativo de serviços em seu CNAE e possuir um contrato vultuoso com o município ora Requerente, deveria possuir um número significativo mínimo de veículos próprios, e um grande número de funcionários, aptos à realização da prestação dos serviços de locação.

De outro giro, também não se afigura ter andado mal o juízo de origem ao inferir que a petição inicial está instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos, já que se promoveu a juntada de documentação dando conta de que a Procuradoria Geral do Município expediu ofício ao Departamento Estadual de Trânsito solicitando informações sobre a empresa vencedora do certame e obteve como resposta que a empresa possui apenas 07 (sete) veículos registrados em seu nome, os quais, ademais, consistem em modelos de veículos incompatíveis com o objeto licitado e contratado, de modo que, ao menos num juízo de cognição não-exauriente, não há que se falar em propositura temerária da vertente ação de improbidade administrativa.

Em face disso, observo que o recebimento da demanda afigura-se atender ao crivo disposto no artigo 17, § 6º, incisos I e II, da Lei n. 8.429/92, sendo despiciendo argumentar que a nova gestão teria – tal como alegado na petição de ID 37153468 e em suposta atitude contraditória – procedido a novo pagamento no âmbito do mesmo contrato público, visto que, a uma, o exame da regularidade de referido ato administrativo extrapola os limites objetivos da lide, e, a duas, sequer seria possível perquirir a veracidade de tal alegação, haja vista a produção unilateral e apócrifa do documento de ID 37153474 (comprovante de pagamento).

Dito isso, sigo ao exame da tese recursal liminar atinente ao desacerto do juízo a quo ao depreender da postulação inicial do ente municipal o preenchimento dos requisitos para concessão de medida de urgência de afastamento cautelar da prefeita (agravante) ora impugnada.

Como é cediço, o art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) estabelece que (a) autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.”

Na hipótese, vislumbro, do exame perfunctório dos autos, que não incorreu em erro o juízo de origem ao antever o risco efetivo à instrução processual se a chefa do poder executivo local se mantiver no exercício da função pública na fase inicial da instrução do feito, haja vista seu poder de, em tese, vir a ocultar documentos essenciais à perquirição da materialidade dos atos ímprobos alegados. Com efeito, extraio do decisum vergastado – em fundamento que passa a compor a “ratio decidendi” da presente decisão – que há um contexto de reiteração de conduta pela existência de outras investigações e ações em curso, o que sinaliza que o erário municipal passa por grave risco de se tornar insolvente e não cumprir sua função constitucional, caso o Poder Judiciário permita a continuidade do exercício do cargo público por parte Maria Paula Azevedo Desterro, que poderá perpetuar a prática de dilapidação do patrimônio público. (ID 37129740)

Eis por que, igualmente, não se afigura desarrazoado ou desproporcional o afastamento do cargo pelo prazo de 90 (noventa) dias – o qual, por previsão legal, pode ser inclusive prorrogado uma única vez por igual prazo, mediante decisão motivada (LIA, art. 20, § 2º) –, pois seria o tempo mínimo necessário para, repise-se, aprofundar a apuração acerca da materialidade dos atos de improbidade administrativa alegados e evitar a concretização do risco de utilização, repito, da “condição de chefe do poder executivo para forjar ou omitir documentos públicos com o fim de obstruir as investigações que pesam contra a gestora”, tal como externado no decisum a quo (ID 37129740).

Trago à colação, por oportuno, aresto da colenda Quinta Câmara Cível deste TJMA, de relatoria do eminente Desembargador Raimundo José Barros de Sosa, no qual, por unanimidade, o colegiado concluiu, em sede de agravo de instrumento, pela manutenção de tutela emergencial que determinara o afastamento cautelar de prefeito municipal, ante a existência de indícios de reiteração da conduta ímproba e influência na instrução processual. Eis a ementa do julgado, ipsis litteris:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO DO PREFEITO. REITERAÇÃO DA CONDUTA ÍMPROBA E INFLUÊNCIA NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. RAZOABILIDADE E TEMPORARIEDADE DA MEDIDA. RECURSO PROVIDO. UNANIMIDADE.

I – O art. 20, parágrafo único, da Lei n° 8.429/92, permite seja afastado o agente público para assegurar o bom andamento da instrução processual, situação que resta caracterizada nos autos.

II – O Agravado não apresentou documentos e informações requeridas pelo Ministério Público a respeito dos processos licitatórios da Municipalidade, vez que, como provado nos autos, das 18 (dezoito) requisições expedidas, o Recorrido respondeu 15 (quinze) intempestivamente ou com dados insuficientes, bem como não prestou qualquer resposta a 03 (três) expedientes (Identificadores nº. 3489440 e 3488837).

III – Após o ajuizamento da demanda, restou instaurado novo procedimento visando investigar a continuidade da locação indiscriminada e ilegal de veículos, cujo pagamento supostamente estaria sendo efetivado pelo próprio Gestor Municipal, ora agravado, conforme Notícia do Fato nº. 131-009/2019.

IV – Resta claro nos autos que o Agravado, além de comumente está respondendo por suspeita de improbidade, busca atrasar a atividade probatória do Ministério Público e prejudicar futura instrução processual, vez que, conforme denotam os fatos relatados, sua conduta acaba por impedir acesso a elementos de provas ou mesmo influencia eventuais testemunhas, situação que se enquadra na moldura do art. 20, parágrafo único, da Lei de improbidade e, por consequência, enseja o deferimento da medida de afastamento.

V – Agravo de instrumento provido à unanimidade.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à unanimidade, em dar provimento ao presente recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator Substituto. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Raimundo José Barros de Sousa, Cleones Carvalho Cunha (Presidente) e Jamil de Miranda Gedeon Neto. Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Drª Marilea Campos dos Santos Costa.

(TJMA, AI 0803764-44.2019.8.10.0000, Rel. Desembargador(a) RAIMUNDO JOSE BARROS DE SOUSA, 5ª CÂMARA CÍVEL, DJe 06/11/2020) (grifei).

Assentadas essas premissas, não vislumbro o preenchimento do requisito da probabilidade de provimento do recurso (“fumus boni juris”), tampouco do requisito do “periculum in mora” porquanto a agravante não demonstrou, de modo preciso e cabal, a grave lesão a direito, “sendo insuficiente a mera alegação de que o afastamento cautelar do cargo de prefeito teria o condão de provocar prejuízos ao Poder Público. Precedente do STJ.” (STJ, AgRg na SLS n. 1.854/ES, relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, julgado em 13/3/2014, DJe de 21/3/2014.)

Trago à colação, no mesmo sentido, aresto da Corte Especial do STJ:

AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. AFASTAMENTO DE PREFEITO. PRORROGAÇÃO DO PRAZO POR MAIS 180 DIAS. GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS NÃO DEMONSTRADA.

  1. A suspensão de liminar é medida excepcional de contracautela cuja finalidade é evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.

  2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “o deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa grave lesão a um dos bens tutelados pela legislação de regência”.

  3. O afastamento temporário de prefeito municipal decorrente de investigação por atos de improbidade administrativa (art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992) não tem o potencial de, por si só, causar grave lesão aos bens jurídicos protegidos pela Lei n. 8.437/1992.

  4. O STJ considera razoável o prazo de 180 dias para afastamento cautelar de prefeito. Todavia, também entende que, excepcionalmente, as peculiaridades fáticas do caso concreto podem ensejar a necessidade de alongar o período de afastamento, sendo o juízo natural da causa, em regra, o mais competente para tanto (AgRg na SLS n. 1.854/ES, relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe de 21/3/2014).

  5. No presente caso, as decisões mencionadas apresentam fundamentação idônea e têm prazo determinado. A prorrogação do afastamento do cargo de prefeito está fundada em elementos probatórios contemporâneos, que apontam para indícios de interferência na instrução processual. Portanto, a excepcionalidade prevista pela legislação de regência não foi devidamente demonstrada. A insatisfação do requerente com a decisão impugnada e o evidente interesse pessoal de retornar ao cargo de prefeito aparentam transcender o interesse público em discussão.

Agravo interno improvido.

(AgInt na SLS n. 2.790/ES, relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 1/12/2020, DJe de 14/12/2020).

Em verdade, observo que a decisão a quo de afastamento cautelar da prefeita agravante também deve ter seus efeitos mantidos no presente momento da instrução processual porquanto, no que concerne ao requisito do periculum in mora inverso, o risco de dano vislumbra-se mais em detrimento da administração pública, máxime porque não se mostra desarrazoado ou desproporcional o afastamento do cargo pelo prazo de 90 (noventa) dias, pois seria, repita-se, o tempo mínimo necessário para verificar a alegada “materialidade dos atos de improbidade administrativa”, e, a fortiore, o “afastamento temporário de prefeito municipal decorrente de investigação por atos de improbidade administrativa (art. 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992) não tem o potencial de, por si só, causar grave lesão aos bens jurídicos protegidos pela Lei n. 8.437/1992.” (STJ, AgInt na SLS n. 2.790/ES, relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 1/12/2020, DJe de 14/12/2020.)

Ante o exposto, ausentes os requisitos legais para a concessão da medida de urgência pleiteada, INDEFIRO o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

Intime-se a parte agravada, observado o art. 1.019, II, do CPC/15 para, no prazo legal, apresentar, se quiser, contrarrazões ao presente agravo, facultando-lhe a juntada de cópias das peças do processo que entender cabíveis.

Defiro o pedido formulado na petição de ID 37153796 para admitir, como terceiro interessado, o réu Railson Costa Praseres, na qualidade de representante da empresa R. C. Praseres e Cia. Ltda, bem como determino a retificação na autuação do feito com vistas a possibilitar que ele seja intimado por meio eletrônico, na pessoa do causídico apontado, de todos os despachos e decisões proferidas no presente feito.

Ultimadas essas providências, apresentando-se as contrarrazões ou transcorrido in albis o respectivo prazo, encaminhem-se os autos à Procuradoria Geral de Justiça para que se manifeste no prazo de 15 (quinze) dias (CPC, art. 1.019, III).

Após, façam-se conclusos incontinenti para julgamento do mérito recursal.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

São Luís (MA), (DATA DO SISTEMA).

Desembargador Kleber Costa Carvalho

Relator

FONTE: BLOG DO EDGAR RIBEIRO

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