O protagonismo indígena brasileiro ganhou força nas últimas décadas, reflexo dos direitos obtidos através da Constituição de 1988 e de uma nova compreensão histórica a respeito dos povos nativos. Hoje vemos lideranças indígenas – homens e mulheres – atuando em diferentes espaços públicos como ambientalistas, escritores, professores, médicos, advogados, deputados, artistas etc. e se destacam pela defesa dos direitos dos povos indígenas, pela demarcação das terras e valorização de suas culturas e tradições. A lista abaixo é certamente incompleta e outros nomes merecem ser mencionados. Mas ela nos dá ideia da intensa atuação dessas lideranças na atualidade e da importância em atender as demandas indígenas com vistas à uma cultura de paz e respeito às pessoas.
1.Raoni Metuktire, povo Kayapó, MT
O cacique kayapó Raoni Metuktire talvez seja o líder indígena mais famoso do país. A marca registrada dos kayapó é o adorno em forma de disco usado no lábio inferior. Raoni nasceu por volta de 1932 na aldeia Krajmopyjakare, no nordeste do Mato Grosso. Na época, o povo kayapó era nômade e não tinha contato regular com o mundo exterior. A partir de 1954, graças aos irmãos Villas-Bôa, Raoni teve noções sobre a língua portuguesa e o mundo dos brancos. Em 1958, o indígena acompanhou os irmãos Villas-Bôa na expedição para demarcar o centro geográfico do Brasil, às margens do rio Xingu, em cuja bacia o povo kayapó vive até hoje. O país era então presidido por Juscelino Kubitschek, que já estivera com Raoni em 1950. Em 1964, o cacique encontrou-se com o rei Leopoldo II da Bélgica, quando este estava em expedição nas reservas indígenas do Mato Grosso. Raoni foi tema do documentário do cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux intitulado Raoni (1978), aclamado pela crítica e que teve sua versão em inglês narrada pelo ator americano Marlon Brando. O filme foi indicado ao Oscar e exibido no Festival de Cannes. No Brasil, ganhou o prêmio de melhor filme em Gramado. Nos anos 1980, Raoni foi apresentado ao cantor britânico Sting e ambos rodaram o mundo pedindo apoio à preservação das florestas e aos direitos dos povos indígenas. Participou com o cantor Sting da Conferência da Anistia Internacional, em São Paulo, evento que resultou na fundação da Rainforest Foundation para sustentar os projetos de Raoni. Na Assembleia Constituinte, o líder levou dezenas de guerreiros kayapós a Brasília para pressionar os congressistas a aprovarem uma Constituição favorável às comunidades nativas. O movimento teve sucesso e abriu o caminho para a demarcação de grandes terras indígenas no país. Em 1993, foi homologado o Parque Nacional do Xingu, com uma superfície de cerca de 180 mil km² nos estados do Mato Grosso e Pará. Em 2020, Raoni chegou a ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz por sua defesa vitalícia da floresta. Recebeu, em 2021, o título de Membro Honorário da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Em 1º de janeiro de 2023, ele esteve entre os representantes do povo brasileiro que subiram a rampa do Palácio do Planalto durante a cerimônia de entrega da faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva.
2. DAVI KOPENAWA, POVO YANOMAMI, AM
Davi Kopenawa, xamã e líder político do povo Yanomami, foi um dos responsáveis pela demarcação e homologação do território Yanomami, ocorrida em 1992 no contexto da Cúpula da Terra no Rio de Janeiro. No ano seguinte, doze indivíduos Yanomami, todos idosos, além de mulheres e crianças, foram massacrados por garimpeiros, no episódio que ficou conhecido como Massacre de Haximu. O ativismo de Davi Kopenawa em defesa de seu povo e da floresta então se intensificou. Em 2010, foi lançada na França sua obra A queda do Céu, escrita em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert. No Brasil, o livro foi taduzido e poblicado em 2015. É um manifesto xamânico e autobriográfico para denunciar a destruição do povo Yanomami. Por sua atuação na defesa da floresta e dos direitos indígenas recebeu diversos prêmios, entre eles a Global 500, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (1989); a Ordem do Rio Branco ao grau de Cavaleiro, em Brasília (1999); o Prêmio Itaú Cultural (2017) e o prêmio Right Livelihood (2019). Em dezembro de 2020, Davi Kopenawa foi eleito membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências. Em 2019, o território Yanomami foi alvo de novas invasões por garimpeiros. Apesar de reiteradas ameaças de morte, Kopenawa persiste em seu trabalho em defesa da causa indígena e ambiental. Em fevereiro de 2020, denunciou formalmente o governo brasileiro durante a 43ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, por seu ataque aos povos indígenas e à floresta amazônica. Em 2022, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Roraima (UFRR).
3. SÔNIA GUAJAJARA, POVO GUAJAJARA/TENTEHAR, MA
Sonia Guajajara, nascida na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, é uma das lideranças indígenas femininas mais conhecidas. Estudou Letras e Enfermagem na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e pós-gradução em Educação Especial. Sua militância em ocupações e protestos em defesa de demarcação de terras a levou à coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Em 2017, subiu ao palco principal do Rock Rio para discursar pela demarcação de terras da Amazônia tendo sido ovacionada pelo público ao som da música “Kill Your Mama”, que aborda justamente a devastação do meio ambiente. Em 2018, Sônia Guajajara foi lançada como vice-presidente da República na chapa encabeçada por Guilherme Boulos, a primeira candidata de origem indígena à presidência da República. Em 2022, foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, na categoria Pioneiros. Neste mesmo ano integrou a equipe de transição do terceiro governo Lula e, em 2023, foi nomeada como a primeira ministra dos Povos Indígenas.
4. JACIR DE SOUZA MACUXI, POVO MACUXI, RR
Jacir de Souza Macuxi, um dos maiores defensores do reconhecimento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, homologada em 2005. Aos 26 anos foi alçado ao posto de tuxaua da sua aldeia. O momento era crítico para os indígenas do Norte de Roraima, os garimpos avançavam sobre as terras indígenas e com eles alcoolismo, violência e doenças. Jacir conseguiu unir todos os tuxauas da região para ajudar os chefes de comunidades no combate as mazelas que ameaçavam os indígenas. A ideia fez sucesso e várias comunidades indígenas aderiram a iniciativa que, mais tarde, se tornou o Conselho Indígena de Roraima (CIR). Em 2020, os Macuxi e outras comunidades indígenas de Roraima tiveram dezenas de mortes com a pandemia de Convid-19. Jacir de Souza Macuxi foi um dos atingidos pela doença, ficou internado em Boa Vista, e se recuperou.
5. DANIEL MUNDURUKU, POVO MUNDURUKU, PA, AM, MT
Daniel Munduruku é um dos maiores autores indígenas da atualidade. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, tem mais de 54 livros publicados no Brasil e no exterior. Já recebeu prêmio nacionais e internacionais, incluindo o renomado Prêmio Jabuti. Sua obra é composta principalmente de literatura infanto-juvenil e livros paradidáticos onde remonta à tradição oral indígena, fábulas, contos e mitos de criação.
- AILTON KRENAK, POVO KRENAK. MG
Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, pesquisador e escritor, dedica-se desde os anos 1980 à defesa dos povos indígenas e do meio ambiente. Em 1985, fundou o Núcleo de Cultura Indígena, para promover a cultura indígena. Participou da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988. Em uma das sessões, em discurso na tribuna, pintou o rosto com a tinta preta do jenipappo, segundo o tradicional costume indígena brasileiro, para protestar contra o que considerava um retrocesso na luta pelos direitos dos índios brasileiros. Em 2000, Ailton Krenak protagonizou o documentário Índios no Brasil produzido pela TV Escola que aborda a identidade, línguas, costumes, tradições indígenas, a colonização e o contato com o branco, a briga pela terra e os direitos conquistados dos indígenas até fins do século XX. Em 2016 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Em 2020, foi eleito o intelectual do ano pela União Brasileira de Escritores e recebeu o prêmio Juca Pato. Em 2021, lançou o livro Ideias para adiar o fim do mundo, uma das obras mais vendidas das livrarias brasileiras, com versões lançadas em inglês, francês e alemão. 7.
7-JOÊNIA WAPICHANA, POVO WAPICHANA, RR
Joênia Wapichana formou-se em direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) em 1997 e cursou o mestrado na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, sendo a primeira mulher indígena advogada no Brasil. Atuou na demarcação da reserva indígena Raposa do Sol, em Roraima, além de trabalhar no departamento jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e na defesa de direitos de índios à posse de suas terras na região norte do Brasil. Foi a primeira presidente da Comissão de Direitos dos Povos indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criada em 2013. Nas eleições de 2018, foi eleita deputada federal por Roraima, pela Rede Sustentabilidade, sendo a a primeira mulher indígena a ocupar uma cadeira no Congresso Nacional. Antes dela, o único indígena eleito ao Parlamento foi o xavante Mário Juruna. Joênia tem sido combativa contra o avanço do garimpo ilegal na Amazônia. Em 2018, recebeu o Prêmio de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, exerce a presidência da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) tornando-se a primeira mulher indígena a comandar a entidade.
- CÉLIA XAKRIABÁ, POVO XAKRIABÁ, MG
Célia Xakriabá, é mestre em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB) e cursa o doutorado em Antropologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Defende a reestruturação do sistema educaciona com a integração das culturas indígenas no currículo de ensino, luta pelos direitos das línguas indígenas ameaçadas e pela demarcação das terras indígenas. Em 2021 foi uma das representantes indígenas que compareceram à 26ª Conferência da ONU sobre Mudança Climática, a COP26. Na ocasião, Célia falou sobre o racismo sistêmico que enfrenta na sociedade por ser indígena e sobre a importância da preservação dos territórios de sua comunidade. Célia tem um estúdio na aldeia em que mora, no Território Xakriabá, em São João das Missões, Minas Gerais e apresenta o podcast ‘Papo de parente’, ao lado do influenciador digital Tukumã Pataxó. 9. Myrian Krexu, povo Guarani Mb
9-MYRIAN KREXU, POVO GUARANI MBYÁ, SC
Myrian Krexu nasceu no município de Xanxerê, em Santa Catarina e viveu na comunidade Terra Indígena Rio das Cobras, pertencente à etnia Guarani Mbyá. Estudou na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) onde se formou em medicina em 2013. Concluiu a especialização no Instituto de Neirologia e Cardiologia, em Curitiba, tornando-se a primeira a primeira cirurgiã cardiovascular indígena do país.
- CRISTINE TAKUÁ, POVO MAXAKALI, SP
Cristine Takuá é educadora, filósofa e artesã indígena. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), ela vive na vive na Terra Indígena Ribeirão Silveira, no litoral de São Paulo. Ela ministra aulas de Filosofia, Sociologia, História e Geografia na EE Indígena Txeru Ba’e Kua-I, DER Santos. Integra a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização indígena fundada em 2006 que congrega coletivos do povo guarani das regiões sul e sudeste do Brasil engajados na luta pelo território. É também fundadora do Fórum de Articulação dos Professores Indígenas de São Paulo (Fapisp) e representante do Núcleo de Educação Indígena da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
11. DAIARA TUKANO, POVO TUKANO, AM
Daiara Tukano é descendente do povo Tukano, do alto Rio Negro, Amazonas, fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela. Vive atualmente em Brasília, enquanto parte de sua famíla vive na Aldeia Balaio, próxima ao município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Foi correspondente da Rádio Yandê, a primeira rádio indígena do Brasil. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisou o direito à memória e à verdade dos povos indígenas. Seu papel como ativista indígena anda ao lado do seu trabalho como artista. Em 2020, ela se tornou a artista indígena a ter o maior mural de arte urbana do mundo, sendo a primeira a pintar uma empena. A obra ocupa mais de 1.000 m² no histórico Edifício Levy, no Centro de Belo Horizonte, Minas Gerais. Na imagem vê-se uma mãe carregando o seu filho.
- ARISSANA PATAXÓ, POVO PATAXÓ, BAHIA
Arissana Pataxó graduou-se no curso de Artes Plásticas da Escola de Belas Aetes da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2009, tendo desenvolvido ao longo de seus estudos atividades de extensão de arte-educação com o povo Pataxó. É mestre em Estudos Étnicos e Africanos e doutoranda em Artes Visuais, ambos também pela UFBA. Desenvolveu projetos voltados para a arte-educação, foi professora em escolas indígenas e do curso de formação de professores indígenas em Coroa Vermelha, na Bahia. Como artista, participou de exposições coletivas e individuais. Sua primeira exposição, Sob o olhar Pataxó, aconteceu em 2007 no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA. A exposição Mira! Artes visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas, realizada em Minas Gerais e Brasília entre 2013 e 2014 também consta em sua lista. Em 2016, foi indicada ao Prêmio PIPA, uma das principais premiações de arte contemporânea do país.
- HAMANGAÍ PATAXÓ HÃ-HÃ-HÃE, POVO PATAXÓ, BA
Hamangaí Pataxó Hã-Hã-Hãe nasceu e cresceu na Terra Indígena Caramuru Catarina Paraguassu, no município de Pau Brasil, Bahia. Descende do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe pelo lado paterno e do povo Terena, por parte da mãe. Cursa Medicina Veterinária na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Como parte da delegação do Engajamundo, em 2018 foi à Polônia participar da 24ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP24). No ano seguinte, esteve em Roma participando do Villagio Ler La Terra, onde falou para jovens italianos da importância de se unirem em defesa da mãe Terra. Ainda no fim de 2019, foi à Suíça em cerimônia que reuniu jovens mulheres ativistas do mundo todo.
14. SONIA ARÁ MIRIM, POVO GUARANI MBYA, SP
Sonia Ará Mirim é descendente do povo Xukuru-Kariri do Nordeste, mas foi acolhida pelos Guarani de São Paulo tornando-se líder indígena dos Guarani Mbya que vivem na Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, localizada na Zona Norte da capital, a menor área indígena demarcada do país. Ambientalista e defensora dos direitos indígenas Sonia Ará Mirim formou um grupo de brigadista florestal que combate as queimadas na região do Jaraguá, uma das poucas regiões de Mata Atlântica nativa do estado de São Paulo. Em janeiro 2020, liderou o movimento de resistência contra a construtura Tenda que pretende criar um empreendimento de alto padrão de cinco prédios no terreno vizinho da Terra Indígena Jaraguá, onde vivem 700 guaranis. A construtora chegou a derrubar 500 árvores na fase inicial do projeto. Os Guarani alegam que o licenciamento para o empreendimento não levou em conta os impactos que o projeto pode causar à aldeia. Eles exigem que a construtora realize um estudo de impacto ambiental e social com componente indígena, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Além disso, a área pertence à Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo (RBCV), certificado conferido pela Unesco a a áreas que compreendem ecossistemas terrestres, marinhos e costeiros, onde deve-se promover soluções que conciliem a conservação da biodiversidade ao uso sustentável. Em junho de 2021, Sonia Ará Mirim liderou manifestação dos Guarani Myba contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que praticamente inviabiliza a demarcação de terras indígenas, coloca em risco os povos isolados, além de abrir o território para exploração comercial.
FonteADDEI, Renzo. 2021. “Davi Kopenawa”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Conheça quatro das principais lideranças indígenas da Amazônia. Portal Amazonia. 09 ago. 2021. Mês da Pessoa Indígena – conheça algumas das pessoas indígenas que são destaque na atualidade. Synergia Socioambiental.