Intelectual fala sobre força da diversidade e de trazer ‘uma sinfonia de 325 línguas’ à Academia Brasileira de Letras
Escritor indígena é curador de evento que acontece neste final de semana para recuperar e preservar línguas maternas do Brasil – Tânia Rêgo / Agência Brasil
“A língua que se fala aqui não é o português, a gente fala brasileiro”
A erosão ecológica, a crise de indiferença e a robotização de todos afazeres da humanidade podem ser interrompidos se protegermos e recuperarmos nossas línguas maternas.
Ailton Krenak vê esta como a única saída.
“A língua mãe é como se a gente estivesse tentando lembrar quem nós ainda somos”, explica o intelectual, ativista, escritor e mais recente membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) em entrevista ao programa Bem viver desta quarta-feira (15).
Krenak realiza neste final de semana, em São Paulo, um evento com lideranças e artistas indígenas de diferentes territórios de todo país para tratar do apagamento histórico das línguas maternas e também apontar os esforços para revitalização deste conhecimento.
Língua Mãe acontece nos dias 18 e 19 de maio no Museu das Culturas Indígenas, em São Paulo, e no dia 22 deste mês, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. A entrada é gratuita.
Krenak explica que este evento pode ser considerado sua primeira ação como membro da Academia Brasileira de Letras, fato oficializado no último mês.
“Eu não posso chegar na casa do Machado de Assis de mãos vazias. Aí quando fui perguntado pelos os meus colegas, o que que eu estava levando, eu falei eu tô trazendo as línguas indígenas”
Mas o escritor vai além. Ele defende que a perda deste conhecimento é pôr em risco o futuro da humanidade. “A perda das línguas maternas vai nos tornar a todos uma presa fácil do robô, do GPT, onde todo mundo vai ficando idiota”.
O intelectual faz uma analogia com o sistema agrícola que domina o meio rural brasileiro, apontado por ele como responsável, em parte, pela devastação ambiental e, consequentemente, da crise climática que estamos vivendo.
“No século 20 [a sociedade] passou a produzir uma monocultura, uma monocultura de tudo. A monocultura de tudo se expressa não só na nossa forma de habitar o mundo, mas na forma de reproduzir também a humanidade, reproduzir os humanos. Nós estamos ficando humanos bem estragados”.
Por tanto, o Brasil vive uma “monocultura linguística”, expressada no extermínio das múltiplas línguas faladas neste território antes de 1500, defende Krenak, lembrando que o mesmo aconteceu com a população africana trazida ao Brasil.